sábado, 30 de abril de 2005

O primeiro dia da Mãe

Já quase passou um ano desde que te tornaste Mãe. Amanhã é o teu dia. Já fizeste 14 anos. Não tens Mãe que te aconchegue, mas tens filha que abraces. Com força, com muita força. Com tanta força como a que abraças a tua vida. Boa V., és uma linda Mãe. És uma linda menina-mãe.

Chove outra vez

Tínhamos combinado ir à praia. Era um bom sítio para brincarmos com as crianças. Era um bom sítio para corrermos uns atrás dos outros. Era um bom sítio para as meninas se banharem na vaga enquanto tu chutarias a bola. Era um bom sítio para vos manter longe do dia da Mãe. Chove... hei-de encontrar solução.

Tenho um peso em cima dos olhos

É só mais uma das minhas enxaquecas. É o corpo, mais uma vez o corpo, que me castiga a vida. Quero sair, encontrar-te, trazer-te. Quero ver-te, dar-te a mão e mil carinhos. Quero que alegres a minha tarde. Quero e vou. Nada me impedirá. Mas este peso incomoda-me.

o lugar

O lugar do corpo é ao lado de outro. Já nos basta a mente para vivermos apartados. Lembro-me daquela parede, nas salinas "Let my body know your soul". Não é o sonho, é o corpo que comanda a vida.

'druska

Somos manas. Um mundo nos separa. Tenho quase o dobro da idade dela. Ela é bonita e magrinha, eu sou assim-assim e compacta. Ela desliza na vida, eu arrasto-me. Não tem sempre o que comer, eu nunca quero comer o que tenho sempre. Ela é orfã, eu tenho uma Mãe perfeita. Tem força, muito mais força do que eu. Não queremos o mesmo da vida, os meus amigos não sabem quem é, os seus namorados nunca vi. Fazemo-nos companhia nos quilómetros que galgamos juntas. Eu nasci com acesso a tudo, ela nasceu limitada a menos do que o mínimo desejável. Pede-me conselhos, ouve as minhas neuras. Conta-me as suas aventuras, eu conto-lhe as desventuras! Temos uma coisa em comum, gostamos muito deles.

Só por curiosidade, alguém tem uma mãe assim??

Toca o telefone:

- Estou? Mãe? Posso deixar os meninos consigo hoje à noite?
- Vais sair?
- Vou.
- Com quem?
- Com um amigo.
- Não entendo por é que te separaste do teu marido, um homem tão bom...
- Mãe! Eu não me separei dele! ELE é que se separou de mim!
- Pois... ficas sem marido e agora sais com qualquer um...
- Eu não saio com qualquer um. Posso deixar aí os meninos?
- Eu nunca te deixei com a minha mãe, para sair com homem que não fosse o teu pai!
- Eu sei, mãe. Há muita coisa que a mãe fez e que eu não faço!
- O que é que queres dizer com isso?
- Nada, mãe ! Só quero saber se posso deixar aí os meninos.
- Vais passar a noite com o outro? E se o teu marido vier a saber?
- Meu EX-marido!! Não acho que se importe, ele não deve ter dormido uma única noite sozinho desde a separação!
- Então sempre vais dormir com o vagabundo!
- Não é um vagabundo!!!
- Um homem que sai com uma divorciada com filhos, só pode ser um vagabundo, um oportunista!
- Não vou discutir, mãe. Posso deixar aí os meninos ou não?
- Coitaditos dos miúdos... com uma mãe assim...
- Assim como?
- Irresponsável! Inconsequente! Por isso é que o teu marido te deixou!
- Chega!
- Ainda por cima gritas comigo! Aposto que com o vagabundo com quem vais sair, tu não gritas.

- Agora está preocupada com o vagabundo?
- Eu não disse que era um vagabundo!? Eu percebi logo!
- Adeus, mãe!!
- Espera, não desligues! A que horas é que trazes os meninos?
- Não vou. Não vou levar os meninos. Também, já não me apetece sair!!!
- Não vais sair?! Vais ficar em casa? E estás à espera de quê, que o príncipe encantado te vá bater à porta? Uma mulher na tua idade, com dois filhos! Pensas que é fácil encontrar marido? Se deixares passar mais dois anos, vais ficar sozinha a vida toda! Depois não digas que não te avisei! Eu acho um absurdo, na tua idade, ainda precisares que EU te empurre para sair!!

Ela e o dia da Mãe

O ano passado tinhas a tua mana ao pé de ti. Fizeste para ela o desenho na escola. Este é o primeiro ano em que vais acordar sozinha de mães. Queria trazer-te para junto de mim. Mas não posso trazer todos. Ando angustiada com isto. Já pediste que te fosse buscar hoje. Irei. Sei que não queres nada, só estar, nem mesmo conversar. Queres a tua mão na minha, a minha mão na tua. Queres sentir que ainda contas. Não é o cinema que te chama, não é o parque que te desafia, não é nada que possas tocar. Não queres ficar sozinha, nem no dia antes, nem no dia a seguir. Ainda és uma menina criança. E não entendes porque a vida nos prega certas partidas. Princesa, minha habibati.

Tens umas mãos bonitas, meu querido

As mãos mais bonitas que uma Mãe poderia fazer e outra mãe poderia querer. Serás pianista, pelo menos nos meus sonhos, esses teus dedos deslizando entre as brancas e as pretas, tocando um som que eu não ouço mas vej0. Os mesmos dedos que me escondem o teu rosto em cada fotografia que te faço. Mãos quase perfeitas, esguias, que transportam magia enquanto se movem. As mãos em frente ao rosto, o bonito escondendo o despertar da tua adolescência. Tens quase 16 anos. Parece que ainda ontem não sabias ler. Fugias de casa para dominar o bando, aos 11 anos eras o rei do bairro. Ainda agora, quando por lá passas, ainda te respeitam. Vejo que te gostam. Todos nós gostamos. Não escondas o teu rosto atrás dos dedos, olha para a vida de frente. Estarei sempre a teu lado.

A intérprete

Fui ver o filme. É engraçado, vê-se bem. Não é excessivamente americano, pelo menos acho que não houve beijos na boca. Houve tiros, muitos tiros e autocarros a ir pelo ar. Mas nada disso me interessa. Gostei de estar ali sentada em frente a mais uma África. Gosto de África. Gosto do sol que aquece, como gosto da fome que arrefece. Gosto da música que move os corpos, como gosto dos tiranos que lhe tiram a dança. Fascinam-me crianças de metralhadora, tão vazias por dentro, que um tiro a sangue frio não lhes dá pesadelos. A revolta e a alegria anda lado a lado. A dor, o sofrimento, o horror, a ganância, a riqueza de uns à custa dos outros, tudo eu absorvo intensamente. África, para o bem e para o mal, não há nada que eu mais beba.

curriculum vitae

O que eu descobri ontem... Tenho uma enorme falha no curriculum. Nunca comi, nem fui comida, por um angolano! Acho que vou aceitar a proposta do L., o tal do sabor a quente.

sexta-feira, 29 de abril de 2005

e a pergunta veio

Ao fim de uns meses, pelo menos algumas semanas, a pergunta veio. Mas não veio como pergunta, veio como confirmação. Falávamos disto e daquilo, acho que lhes contava a noite da outra 5ª feira, quem vi, quem não vi, quem estava. Disse-lhes "Estava lá o X, lembram-se, que veio connosco ao Bowling e ao cinema?". Espertos, não perdem uma!
- Quem é o X?!?
- Então, não te lembras?
- Sim, mas quem é o X?
- Um amigo.
- Sim, mas donde é que a P. o conhece?
- Daí, não sei. Sabes o que é que ele achou quando fomos ao cinema juntos? Que tu estavas a olhar para ele a tentar imaginar quem ele seria.
- Uhm! É...
- Eu até pensei que, como estavamos habituados a ir com o C e a C, que até poderiam estar a estranhar... mas como não disseram nada.
- Mas estávamos mesmo a pensar "quem é este agora?!"

quente e frio

a noite estava quente, mas eu tremia. estava lá quem eu queria, mas não estava como eu queria. tu cantaste bem, a tua voz quente, essa presença alegre. mesmo assim os meus pés não queriam deslizar. não sei se a sola dos ténis me prendia, ou se a cabeça não foi capaz de desligar-se do corpo. tu, amiga, gostaste de o ouvir. um concerto é sempre um concerto. cantaste sonhando "me convida que eu avanço, quando me embriago no teu corpo eu não me canso". estavas feliz e só por isso não me arrependo de termos ido.

quinta-feira, 28 de abril de 2005

não é que o jejum voltou mesmo?!

nem ler me apetece. nem ver. nem ouvir. estou resumida à vida real, nada de música, voz ou outros sons, nada de novelas, filmes dramáticos ou comédias... nada. acho que nem um documentário sobre o Triângulo das Bermudas!

quarta-feira, 27 de abril de 2005

vai ser menina!

sono de beleza

Não há nada como uma boa noite de sono para esquecer as amarguras, as neuras psicóticas, os males da vida. Renasci. E tu também estiveste lá.

terça-feira, 26 de abril de 2005

olhos

Ando há pouco tempo neste giro dos blogues, mas já percebi uma coisa: há muita gente a querer fazer ver os seus olhos! Grandes, pequenos, verdes, azuis, castanhos, feios nunca, bonitos às vezes!

apetecias-me...

a vontade prescreveu...

apeteces-me

hoje, outra vez mas só mais hoje.
"as lágrimas cheias de sal, não lavam o nosso mal"

Sete (podem ser cinco?)

São sete da tarde e está-se tudo a passar
Uns andam para a frente, outros querem virar
Outros ainda sonham com paragens distantes
Mas logo alguém ameaça com passos galopantes

jpalma dixit

desilusão

hoje é um daqueles dias em que dava tudo por um amasso teu. sejas homem ou mulher, branco ou preto, criança ou adolescente, Pai ou Mãe, existas ou não existas, dava tudo por um amasso teu.

debate do dia ...

A Interrupção Voluntária da Gravidez em Hospitais Públicos também terá uma lista de espera de 6 meses?

chorar lava a alma

No outro dia li um texto da Textura. Dizia ela que poucos minutos lhe chegavam para seguir em frente. Invejei a sua força, eu vou precisar da semana inteira para me lavar a alma. Alguém tem um quilo de sal que me empreste?

loira burra

queria ser uma loira burra com muita aura. chegaria mais depressa ao topo... vida de cadela!

escritas

isto é psicótico. ainda há dias dizia que tinha levado umas folhitas para rabiscar as ideias que me atormentam enquanto conduzo. meio dito, meu (des)feito, as folhas lá estão, mas as ideias... fui deixá-las no papelão!

segunda-feira, 25 de abril de 2005

o jejum foi de pouco tempo

vício danado!

estou farta do 25 de abril!

vim aqui ver se pensava noutra coisa, se tirava o meu pensamento da saudade e só dou de caras com vinte e cincos de abriles de mil e tal... irra! 22:39, pode ser que mais tarde volte!

frase do dia

hoje e ontem acordei com uma frase na cabeça. ai é? qual? é duma pessoa que me está sempre a dar dicas que eu não gramo, mas esta... como é, então? deixa ver... "há pessoas que vivem com medo da morte, eu vivo com medo de te perder".

fiquei só calada.

jejum involuntário

passou-me a fome... fome de escrever que a fome de fome nunca a tive. vou por aí e já venho (venho?)

domingo, 24 de abril de 2005

anemias e lonjuras

o que é que se faz quando eles estão longe, um perto já ali mas muito longe, e precisam de nós? quem me garante que a minha peso-pluma anémica vai tomar o ferro todo que precisa? quem?!

a minha princesa

está a ficar uma menina, carente e responsável. enquanto eu ressacava o corpo da música de ontem, telefonou. ia para Sintra com a monitora, gostaria que eu fosse mas, acima de tudo, queria evitar que lá fosse acima ao engano. minaê, bo sa glavi passa...

todos juntos

e quem não salta... por um mundo melhor(?). por uma postura diferente!

a ideia é gira

vou arriscar entrar aqui no prédio ao lado.

sábado, 23 de abril de 2005

decisões de sábado ao fim da tarde

decidi atirar-me por ti adentro! seja o que os deuses quiserem! espera-me e até já!!

23 de Abril de 2005

Hoje teve direito a um piropo "Agora já só sou um ano mais velha que tu!". Parece que quanto mais crescem, mais tontos ficam! E quanto mais tontos ficam, mais se Amam apaixonadamente. Estão ali ao lado, faço de conta que não estou presente, tanto é o beijito e amasso um ao outro.

23 de Abril de 1943

Era sexta-feira Santa quando nasceu o maior ateu que eu já conheci! Chama-se Pai e só pode ter sido ironia do Destino ;)

foram a casa

a sua casa...

25 de Abril de 19 e troca o passo...

Tenho dentro de mim uma única recordação desse tempo. Do significado em si, não tenho nenhuma. O meu irmão nasceu 1 mês antes da Revolução. Tinha um mês, a bem dizer, nesse dia! Fomos ao Pão-de-Açucar, ali na Avenida da Boavista, espaço ocupado agora por umas Galerias. A minha mãe levava-o no colo, a minha Tia levava-me pela mão. Estava a chegar a hora da mamada. A minha Tia e eu saímos, a minha Mãe voltou atrás, esquecida de qualquer coisa. Não sei bem em que momento exacto as coisas aconteceram, o que está bem desenhado, a cores e em stereo, na minha memória, são aqueles homens de barba grande, roupa suja, incomodando toda a gente que saia do supermercado. Em frente à porta havia um pátio em cimento, como são todos os passeios no Porto, onde não existe a calçada. As senhoras, que eu me lembre eram só senhoras, corriam, gritavam, eram empurradas. Os que estavam dentro, dentro deveriam permanecer. Os que estavam fora, não sei. A minha Tia dirigiu-se a um desses homens, que gritavam coisas, coisas que agora eu sei eram palavras de ordem, e explicou A minha irmã tem um bebé de um mês ao colo, tem de o ir alimentar, deixem-na sair. Mais empurrão, menos encontrão, acabámos os quatro a subir a Avenida em passo demasiado apressado para mim. Conta-se que éramos fascistas.

sexta-feira, 22 de abril de 2005

está quase, quase, quase...

daqui a exactamente 11 minutos corro ao encontro dos meus mais lindos! às vezes a felicidade é uma coisa tão fácil...

choque tecnológico

Há mais de 10 anos que me arrasto por este mundo das novas tecnologias de informação, a Web, o Mail, onavegar, programar ou desenhar. Agora estou para aquia olhar aparvalhada para o meu Dashboard e não consigo perceber como se faz o upload de uma imagem para aqui... está aí alguém com um espírito solidário que me queira dar uns bitezecos da sua sabedoria? Assunto sério ;)

porquê?

Tenho passado os meus fim-de-tarde no IPO. Durante este ano, fui uma visita constante, em casa, no hospital. Um telefone sempre ligado. Em 1999, durante os seis meses em que a minha Avó Estela foi morrendo, nunca a fui ver ao hospital. Nunca dei apoio directo. Evitava ir ao Porto. A Avó era mais do que o prolongamento da minha Mãe, era mais uma Mãe. Não podia vê-la assim. Não queria sentir, perceber, admitir que a estava a perder aos poucos. Esteve sempre muito lúcida, fraquinha como um colibri, mas sempre com a cabeça em nós, na casa para gerir, na felicidade dos netos, na ventura dos filhos. Já quase passaram 6 anos e ainda agora dou por mim a falar dela como se ainda estivesse viva. A S. é minha amiga há mais tempo do que o tempo pode contar, a família dela foi sempre também minha. É mais fácil suportar a dor dos outros do que a nossa. A dor que sinto agora, pondo de parte a que também sinto pela perda desta Tia querida, é a dor de viver a dor dos seus.

sono profundo

ontem já não cheiravas a morte, conversámos, tu de olhos fechados a fingir que não nos vias. tudo isto não passa de uma birra, não é? a que te sabe esse ceralac que corre pela sonda enternal? ontem dormias o sono dos justos. tenho a sensação que piscavas os olhos com força, não fossem eles atraiçoarem-te. não faz mal, descansa, a caminhada, seja ela qual for, vai ser longa, para ti e para nós.
reencontraram-se na pista, dançaram encaixados como tinha sido.

continuas a saber a quente

L.
chove
tenho a alma lavada

quinta-feira, 21 de abril de 2005

adentro

A expressão mais bonita que aprendi nos últimos tempos foi adentro, de Mar Adentro. Tudo para mim passou a ser adentro, vida adentro, amor adentro, fogo adentro... já devem ter reparado que arranjo sempre forma de a encaixar adentro dos meus posts!

ritmo das palavras

Sinto uma admiração imensa por todos aqueles que conseguem partir frases em versos. Quando escrevo, escrevo tudo a fio. Ao contrário do que me acontece quando danço, não sou capaz de sentir onde pára o fôlego e recomeça a inspiração. É que nem estou a falar de fazer poesia, estou a falar de fazer poemas. A poesia fazêmo-la quando nos entregamos e criamos uma reacção ao que sentimos. O poema fazemos quando contamos os tempos e sabemos quando dar o salto para a outra linha. Por vezes dou por mim a dançar e a sentir que o outro, que pode até conhecer os passos a preceito, não pára no contraa-tempo. O compasso... nunca o apanha. É como eu, a escrever. Por mais que conte palavras, sílabas, letras, quando chega a altura de me reler nunca acerto nas respirações. São as diferentes métricas da vida que vivemos.

no carro II

O quarto pode ser mais um meu mundo, mas fica lá, o carro leva-me sempre com ele...

Tenho mais uma ferramenta, um monte de folhas e um lápis, para assentar as tais ideias que me surgem na estrada.

a sua primeira noite

Nunca tinha entrado num hotel Nem num motel confessou-me sorridente. Acho que nem mesmo pela porta dos fundos ou do cavalo. Ele acordou-a já era meia-noite. Prepara-te que te vou aí apanhar! Deve estar doido, pensou ela, mas ainda assim, levantou-se, passou a escova pelo longo cabelo, lavou os dentes brancos, um pouco de creme na pele, e um sorriso. Ele parou em frente à praia, pediu-lhe que saisse. Atravessou a estrada e levou-a em direcção a outro mundo.
100 euros, mas com pequeno almoço! A vista é deslumbrante, espalha-se mar adentro e nem o céu é limite. Deitaram-se, brincaram-se, rereconheceram os seus corpos. Depois, deixou-se adormecer enquanto ele a contemplava e lhe dizia És tão bonita.
Anda lá, tens de te levantar, são horas. Ainda temos tempo para te dar um banho. Encheu-lhe a banheira, fez espuma, muito espuma, lavou-lhe o cabelo, lavou-lh as suas costas magras, as pernas esguias, fez-lhe festas, acariciou-a. Mas para ela, a banheira, cheia. Sensação que ela só imaginava de ver nas novelas que de vez em quando espreita. Nem sequer se lembrou de trazer os frasquinhos. A espuma e o céu aberto foram mais do que poderia desejar.

10 de Agosto de 1989

Fiz 18 anos nos Açores, mais precisamente na Horta, no início da Semana da Vela. Tinhamos chegado de Ponta Delgada, onde decorrera o Campeonato Nacional nesse ano. Estava cansada, estávamos todos, tinhamos dado o nosso melhor durante toda a semana anterior. No dia seguinte havia a regata do Canal do Pico. Tinhamos sido avisados que poderiamos ver baleias. As ondas estavam grandes, enormes, negras. O Mar assustava. Ansiedade, curiosidade, vontade, era o que se lia nos nossos olhares. Nessa noite, a seguir ao jantar, cantaram-me os parabéns, apaguei as velas e preparei-me para o descanso (curto) do guerreiro. Foram uns 18 anos celebrados sem grandes festas, farras, copos... Quando me preparava para me enfiar no saco-cama, muito perto das onze horas, ouvi ao longe começar um concerto, um dos muitos concertos programados para essa semana. "A princípio é fácil, anda-se sozinho (...)". "Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida". Senti que era para mim, só podia ser para mim que cantava. Sorri, suspirei e dormi feliz. Nunca lhe cheguei a agradecer esse momento.

o cheiro

Lavei o corpo, lavei as mãos, esfreguei bem a pele. O cheiro ficou comigo toda a noite, entranhado, destabilizador. Cheiro de passar as minhas mãos no teu corpo, de beijar a tua testa, de respirar esse hálito de quem já apodreceu por dentro. De te tentar chamar à vida ou encaminhar suavemente para a morte, também eu já cheiro a agonia. O coma também tem cheiro.

quarta-feira, 20 de abril de 2005

Bahar

o mar

sahara

estava ali ao lado a ler a isa xana e lembrei-me da meia dúzia de palavras doces que me ficaram no ouvido. nada que se compare quando dito por um berbére a 100km de nada senão infinito.

Gamahra, Nesmah, Remla, Spahrir, Laila Saïda, Behi, Shamse, Reah, Anaham, Mafish Moshcol, Jau, Beshoia Beshoia, (eh pá, tou a ver que ao fim de 5 anos ainda me lembro de muita coisa...), Habibati, Habibi, Sadirri, Schaêr, Cascais (isto é uma panela com furinhos, tipo passador), Sadirti, Gasahr, Lehfa... e por aí!

curto-te bué = conheço-te de gingeira

Ontem disse-me "curto-te bué". Estavamos empolgados numa discussão à volta das minhas atitudes. Yá, ainda bem que, ao fim de oito ou nove anos, me curtes bué. Hoje a coisa virou para outro lado. "eu curto-te bué" (outra vez???). Já és adulta, tens de ultrapassar essa necessidade de seres amada. Há gente suficiente que te ama, olha para mim! Mas não podes andar a pingar angustia por aí e a falar de coisas que se passam. Mas é brincadeira, ninguém me leva a sério... Não é assim que as pessoas vêem, e depois admira-te de que me venham comentar com quem saiste de lá. OK

no carro

o meu carro é o meu mundo. é lá que tenho as melhores ideias para os problemas mais bicudos. é lá que eu dou asas à imaginação, invento diálogos que vou ter contigo, doçuras que te vou fazer. é lá que me protejo no fim da noite e é lá que me cresço no começar de cada dia. organização, festa, crianças, comida, roupa, mergulho, pipocas, música, filhotes ... vou para lá continuar este rol de emoções...

coma profundo?

Na morte, como na vida, não existem verdades absolutas.

Perante alguém que adormeceu profundamente, podemos ter duas posturas.
- Mesmo que ela fique pior do que já estava, eu quero que acorde.
- Se é para ficar como estava, eu quero que ela morra.

Eu, pela minha experiência pessoal, prefiro encostar-me à segunda hipótese. Podia tecer aqui uma série de teorias que justificassem esta escolha. Mas não é disso que se trata. Hoje, não é esse o meu caminho. Não procuro a solução, apenas constato que em ambas as hipóteses temos de pesar Paz e Sofrimento. Paz e Sofrimento.

as cores

- Ó S., de que cor é o carro da Tia?
- SPOOOOOOTIN!

é de pequenino que se torce o pepino...

apaixonada

estou terrivelmente apaixonada... sofro horrores, frios, calores, sono a mais durante o dia, sono a menos durante a noite. as mãos suam, o coração anda cá em cima , tudo me espanta e a tudo espanto. ainda não descobri por quem. talvez pela ideia de ti, quem quer que sejas. quando te encontrar, suspirar-te-ei isto ao ouvido.

Provoquei o desafio, fui desafiada e estou a aceitar

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Um livro em branco.

Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por um personagem de ficção?
Claro, tantas... apaixono-me perdidamente por todas as personagens que reflectem um pouco a minha ideia de (im)perfeição. Pode ser um personagem de olhos tortos, como os representados pela Barbra Streisand.

Qual foi o último livro que compraste?
Não sei bem, ou "A Comunidade" do Frank Ronan ou o "Vagabundos de nós" de Daniel Sampaio

Qual o último livro que leste?
Vou lendo, há já alguns anos "Não há soluções, há caminhos" do Vasco Pinto Magalhães

Que livros estás a ler?
Além do que vou lendo, de momento nenhum, lei-me aqui no blog e já dá pano para mangas.

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Para uma Ilha Deserta levava o fato de mergulho... pode ser?

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
A toda a gente que aqui venha e lhe apeteça responder! Porque assim não incomodo ninguém e quem quiser está à vontade.

terça-feira, 19 de abril de 2005

descobri um mundo lindo

aqui

A espontaneidade das crianças

Ou será o seu mais subtil humor “negro”

T., 4 anos, deitado a meu lado. Observa atentamente as fotografias expostas nas paredes.
- Quem é aquele castanho ali?
- Então, é o tio C.
- Pintou-se?
- Não, é mesmo assim!
- ah!
um "ah!" de boca bem aberta.

I. 2 anos e meio. Vizinho do 2º andar (o preto mais preto que eu já conheci). (off-the-record - o tio T. que é loiro, alto e espadaúdo, olho azul brilhante e postura de Marine americano).
Olhando compenetrada para a janela do 2º andar.
- Está ali o tio T.!!!

O incrível fenómeno das Amas

Quem me conhece, sabe que eu lido de perto com várias realidades, quem não conhece, fica a saber. Uma das realidades é a das Mães africanas em Portugal. As que já foram Mães em Portugal, entenda-se. A verdade é que a grande maioria das Mães africanas está cá porque não pode estar lá. Luta para viver e dar a viver. Conheço essa realidade bem de perto. Mas por mais Mães africanas que eu conheça, por mais anos de conhecimento que passem, nunca consegui perceber o fenómeno das Amas. Qualquer Mãe africana que se preze, trabalha. E trabalha muito, muitas vezes para receber pouco. Quando trabalha deixa o filho. Na Ama. Paga à Ama praticamente o mesmo que recebe pelo muito que trabalha e pouco que recebe. Será apenas uma forma de emancipação? Se o que fica não é suficiente para alimentar uma boca, nem a sua, nem a do filho, porque entra neste ciclo vicioso? Já perguntei a várias amigas, mas a conclusão ainda é completamente inconclusiva...

Faz-de-conta-que-a-minha-vida-estava-assim

Que a a. estava de férias, o b. sem os procedimentos há muito necessários, o c. a rolar depressa de+, a d. ia morrer a qualquer minuto, os e. infelizes, o ex-n. desiludido, o ex-ex-n. ainda mais desiludido e o que nunca foi n. desiludido com a vida. E faz-de-conta que eu própria estava a morrer de falta de ar. Ainda bem que não é assim, ou não saberia como aguentar. Ainda bem que isto é só um faz-de-conta.

lembrei-me da Turquia

Como vamos ficar agora, com um Papa que defende que a Turquia deve unir-se a outros países mulçumanos e não à Europa?

O politizamento da Igreja

Não, não é um erro nem ortográfico, nem linguístico. É mesmo assim. Tenho como política nunca falar antes de viver, mas também tenho como feitio, reagir no momento. Sobre isto, debruçar-me-ei um dia. Agora o que aqui me traz é pensar que, depois de um Papa que embora não acompanhando alguns aspectos importantes para a vida terrena que vivemos, era visto como alguém aberto ao novo mundo, acaba de nos cair em braços um novo Papa que em tudo é considerado conservador, excessivamente conservador. Retrocesso ou não? Veremos. Dar tempo ao tempo, também acredito nesta máxima. Vamos ver o que vai pesar mais nas suas decisões, o aspecto humano ou o político, teremos um Papa também peregrino, ou um Papa conformado em não se envolver em territórios geridos por outros interesses. O que me preocupa nem sequer são as questões mais fáceis, como o aborto ou o uso do preservativo, mas aquelas que se escondem em interesses político-militares-economicistas. Vou sentar-me e assistir, primeiro round Bento XVI versus George Bush. Também me custa ouvir a primeira reacção do público em geral “coitado, também não faz mal, não deve durar muito” dito assim entre risos, como quem olha para um Marques Mendes à frente de um PSD perdedor. Quando só se pode perder ou não se pode fazer mais, o melhor é arranjar um figurante. Alguém que arque com as culpas mas também não faça muita mossa. O que às vezes não estamos à espera, é que faça.
a vida a quem vive, a morte a quem já viveu (e para quem perguntar, isto é um mandamento de paz interior e não de desanimo) moi-même dixit
e em cada vida que me vivo, me invento para o outro

lixos

Dizia ontem o Nuno Rogeiro, na sua crónica da manhã na RPC, que se sentia chocado com o facto de, após ter entrado em vigor uma lei que proibe o "arremesso" de objectos pela janela do carro, que alguém à sua frente tenha atirado uma garrafa de água borda fora. A mim o que me choca é que seja necessário criar leis para (tentar) impedir que nos comportemos como uns selvagens.

segunda-feira, 18 de abril de 2005

a gente vai continuar?

a vida às vezes parece ser não mais do que uma série de coincidências infelizes. momentos vividos aqui e ali, soltos pelas pontas, presos pela amargura. o único fio condutor resumindo-se a uma semelhança de finais amargurados. uma pessoa bem empurra a vida vivida para o fundo do saco, mas a tampa acaba sempre por saltar. eu acho que gosto de viver, claro, acho que sim, mas acho que a morte deve ser uma libertação... o fim de todas as obrigações, limitações.


"levantou o fecho, e de repente, alcançou a liberdade"

coma profundo V

De Profundis
by Oscar Wilde

(. . . ) Suffering is one very long moment. We cannot divide it by seasons. We can only record its moods, and chronicle their return. With us time itself does not progress. It revolves. It seems to circle round one centre of pain. The paralysing immobility of a life every circumstance of which is regulated after an unchangeable pattern, so that we eat and drink and lie down and pray, or kneel at least for prayer, according to the inflexible laws of an iron formula: this immobile quality, that makes each dreadful day in the very minutest detail like its brother, seems to communicate itself to those external forces the very essence of whose existence is ceaseless change. Of seed-time or harvest, of the reapers bending over the corn, or the grape gatherers threading through the vines, of the grass in the orchard m ade white with broken blossoms or strewn with fallen fruit: of these we know nothing and can know nothing. (...)

coma profundo IV

Relatório sobre o estado vegetativo persistente
António Vaz Carneiro, João Lobo Antunes, António Falcão de Freitas
(Fevereiro de 2005)

coma profundo III

estaremos em coma profundo ou em profundo coma? olho à volta e tenho a sensação de que vivemos castrados, castrados à vida e rendidos à morte.

coma profundo II

Bertrand Russel disse "a vida é demasiado curta para nos permitir interessar-nos por todas as coisas, mas é bom que nos interessemos por tantas quantas forem necessárias para preencher os nossos dias".

quem me ensinou isto, hoje, nem sabe o quanto foi ao meu encontro.
obrigada

coma profundo I

a Mãe da minha melhor amiga entrou hoje em coma profundo. andava eu por aqui à procura de me encontrar... aqui
hoje no banho comecei a desenhar o post do dia. depois de o desenhar, preparado que estava para ser passado para a palavra escrita, despejei o amaciador na cabeça, massagei como de preceito e enxaguei os dois ao mesmo tempo. mania esta de pensar quando não posso escrever.

domingo, 17 de abril de 2005

hoje nada existe para além do vazio. não sei o que tinha que agora sinto que perdi. não sei se era eu ou se não era meu. só sei que aqui ficou um nada que é demais. um buraco negro repleto de matéria pesada. não era assim que eu tinha sonhado as coisas. sempre previ e esperei o afastamento, não se trata disso. acho que lhe dava era outra forma. algo que se iria diluir em si mesmo, consumir na sua força e deixar de respirar naturalmente. não imaginei este acto eutanásico. não me tinha ainda visto de copo de veneno na mão. ficou no ar tudo o que eu não queria e nem sal ficou para chorar.

(tele)comunicações

o que nos deu agora, que cada vez mais nos tele-lemos e cada vez menos nos loco-conversamos.

27.08.2002, 06:31am

Mares de perdição
Perdida no pensamento
Mares de incerteza
Perdida em tormento
é por tudo o que em nós corre que se vive e que se morre

Diário de viagem de Pilar, 3 Fevereiro

Assim são as coisas nesta parte do mundo, onde o importante não é o que se vende ou o que se compra, mas sim sabermos-nos vivos, ao menos por hoje, donos absolutos do tempo, e este tempo empregado na festa que é a conversação e a comunicação humana.
pole, pole, akuna Matala

Eluard

Délire perpétuel nous nous sommes tu dit
Et nous avons tout à nous dire.
Há um provérbio chinês que diz "Quem come torradas na casa-de-banho, não deve espantar-se se as migalhas entupirem a banheira". Nunca ouvi frase tão estúpida mas acho que também nunca encontrei nada de tão simples e verdadeiro.

Não estou interessada em vencer na vida

É dificil localizar e dizer o que tenho mas, ao mesmo tempo, as coisas talvez sejam simples porque as minhas ambições são muito simples. Não estou interessada em vencer na vida. O que eu queria era encontrar alguma resposta para as coisas que sinto, para as coisas que desejo. Uma espécie de ir ao encontro do que pressinto sem saber o que é. É claro que o amor talvez também caiba aqui, mas o que eu queria mesmo descobrir era a maneira de me ligar à vida. Sei que a minha vida não é aquela que me ensinaram, simplesmente não consigo encontrar outra.

O tempo tem de parar, Aldous Huxley

Nenhuma pessoa que tenha qualquer tipo de imaginação criadora pode ficar de outra maneira que não desapontada com a vida real.

racional versus irracional

Quem quiser levar os homens a agir racionalmente, tem de se decidir a levá-los de forma irracional.

frases soltas, recordadas durante o sonho

Todas as coisas grandes e extraordinárias e divinas da vida são de uma simplicidade infantil.

A estrada da montanha pode ser árdua, mas o ar lá lá no alto é puro e é do cume que se desfruta o panorama.

As coisas que realmente importam, acontecem no coração.

A chama da vela dá luz, mas também queima.

o caminho dos loucos

Tudo o que se faz de grande no mundo, é feito por loucos. As pessoas estão sempre dispostas a ouvir um sábio para se divertirem e relaxarem um pouco, tal como ouviriam um saltibanco ou um contador de histórias. Mas, quanto a agirem, nunca estão dispostas a seguir o caminho de um homem de razão. Nunca. Em toda a história da humanidade, sempre que a escolha se teve de fazer entre um homem de razão e um louco, o mundo seguiu, sem hesitação, o segundo. Porque o louco apela para o que é fundamental na vida, apela para a paixão e os instintos, o sábio aponta para o que é superficial e supérfluo - a razão.

consumo desabrido

quanto tais forte é o fogo, mais depressa se consome a madeira.
ontem à noite entrei pela vida de alguém adentro, conscientemente, só não sabia que esse alguém tentava refugiar-se de tudo e de todos os que quisessem entrar pela sua solidão adentro. o que já era afastamento, tornou-se precipício.

as linhas paralelas

Já sei onde fui buscar esta minha ideia de que vivo em paralelo.

"As linhas paralelas só se encontram no infinito (...). Mas já alguém estabeleceu contacto com alguém? Todos nós somos linhas paralelas (...)" eu só sou um pouco mais paralela do que a maior parte das pessoas.

"(...)" retirado algures em 1994 do livro "Férias em Crome" de Aldous Huxley. Redescoberto hoje.

sábado, 16 de abril de 2005

le rêve

variação a dois tempos sobre o sonho de Verlaine

Je fais souvent ce rêve étrange et pénétrant
D’une vie inconnue, et que je vivre et qui me vivre
Et qui n’est, quelque fois une vie belle
Ni souvent une vie comme la mienne

Car je ne la comprends pas, et sa joie claire et cristalline
Pour elle seule se fait, pourtant moi j’y crois
Et j’y crois a elle seule et jamais à moi-même
Puisqu’elle se fait rafraîchir en me voient du même

Suis-moi heureuse, simple ou ténébreuse ?
Mon nom ? Je me souviens qu’il est dur et pourtant léger
Comme ceux des condamné par la vie en guerre

Son regard est pareil au regard de l’eau
Que se contourne infinie e douloureusement
Comme des vagues en cassant sur la chair abandonnée

Do outro lado da janela

Seja de dentro para fora ou de fora para dentro, sempre a fascinou o mundo do outro lado da janela.

1989, Inverno ou Verão, 7:15 na estação de comboios. Sempre ali, via o das 7:18 partir, com calma, com toda a calma. Com muito mais calma do que qualquer outro dos seres que para ali se atiravam. Com calma, como se fosse normal acordar 15 minutos mais cedo todos os dias, para ali estar a vê-los sair. Partiam rumo ao mesmo destino do que ela: sobreviver ao dia-a-dia.

7:20, chegava o que viria a ser o "seu". Derramava na plataforma litros de gentes. Umas diferentes, outras iguais. Umas mais diferentes que as outras mais iguais. A plataforma, que tinha visto correr para lá, despejava agora para cá. Amarelo, verde, azul. Preto, branco ou assim-assim. Altos baixos, correndo ou tentando não ser atropelados. Com a pressa dessas gentes, 7:23 já estaria sentada na sua janela.

Não era importante a carruagem, há quem goste de viajar sempre no mesmo lugar, encontros combinados, saídas mais perto, de tudo um pouco. Ela só queria ficar à janela, fosse qual fosse, desde que virada para a plataforma, e de costas para a frente.

Acho que era nesses pouco mais de 15 minutos, que ela crescia para o mundo, aprendia, absorvia a sua energia, imaginava a sua vida. Sonhava. À noite, quando chegava a casa, derramava no papel tudo o que havia sido derramado nos seus olhos. Suspirava e sentia que podia partir para mais um dia.

nós e os outros ou nós ou os outros

na vida há espaço para tudo e todos. quando escrevo não sei se o faço na primeira ou em todas as pessoas do singular ou do plural. mas sei que escrevo de todos, para mim, e que me vêm para os outros. ciclo vicioso este, hein?!

os castigos

Os castigos não são (sempre) incompreensíveis. Quando vistos e aplicados de uma forma construtiva, podem ajudar uma criança ou um adolescente a perceberem que somos responsáveis e responsabilizados pelos nossos "crimes" mas, também, que podemos aprender alguma coisa com esse "erro".

Conheço uma pessoa desde sempre sensível às piores realidades deste mundo que conseguia, através de uma participação activa na Associação de Pais de uma Escola onde quase só apareciam crianças de bairros sociais degradados, habituadas à lei da faca e nunca ao carinho e valorização, que 2 ou 3 entre as muitas outras mais, fossem castigadas de uma forma totalmente não punitiva. Vi suficientes pré-deliquentes que teriam sido suspensos das aulas e do espaço escolar durante uma semana ou mais, para ficarem nas ruas sem tino nem destino que não o de criarem vícios e bandos, serem colocados na pequena cozinha a ajudar mas, melhor ainda, nos canteiros da escola, plantando e acompanhando o crescimento saudável de meia dúzia de plantas agrestes. Esse acompanhamento infelizmente era muitas vezes feito, não no decorrer normal de uma manhã de escola, mas sim no decorrer de castigos sucessivos...

Deixei de ter contacto com essas crianças, não sei como cresceram nem no que se tornaram, mas tenho a certeza que, mesmo preferindo andar a sacar carteiras ou furar pneus por aí, nunca esqueceram os dias de ancinho na mão e a magia que é ver alguma coisa crescer do nosso trabalho. Diz-me essa pessoa que, frequentemente, é abordada por jovens que lhe dizem "Lembra-se de mim? Plantei o arbusto do canteiro do fundo".

Talvez isto tudo não passe de uma utopia, mas fico feliz por saber que existem pessoas ainda utópicas.

sexta-feira, 15 de abril de 2005

também se pode brincar à sexta-feira?

TUDO GRAMATICAMENTE CORRECTO...

Perguntaram a uma loira qual a diferença entre mamilo e mama.

A loira, depois pensar muito, muito, mas muuiiiitto tempo, respondeu:
- Mamilo... é o que me chupam... Mama... é uma ordem...

Prescrição para males de amor

"Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer"
===================================

Ah Camões

Se vivesses hoje em dia
Tomavas uns anti-piréticos
Uns quantos analgésicos
Xanax ou Prozac para a depressão
Compravas um computador
Consultavas a página do Murcon
E descobririas
Que essas dores que sentias
Esses calores que te abrasavam
Essas mudanças de humor repentinas
Esses desatinos sem nexo
Não eram feridas de amor
Mas somente falta de sexo.

ar, por favor

é nestas alturas que eu percebo claramente que, ainda mais importante do que a água, o ar é essencial à minha vida.

quinta-feira, 14 de abril de 2005

Berlenga

Reserva Natural criada em 1981, pelo Decreto-Lei n.º 264/81 de 3 de Setembro.

Pensei fazer uma página sobre esta Ilha Encantada, onde nos últimos anos tenho passado férias com os melhores amigos do mundo. Foi quando procurava informação que encontrei um site inteirinho dedicado a ela. Vou fazer um link até lá. Espero que os autores não se importem.

Formação granítica com cerca de 280 milhões de anos que integra a Ilha Berlenga, as Estelas e os Farilhões.

A Reserva Natural é um dos mais importantes locais de nidificação (construção de ninhos) e refúgio de aves marinhas na Península Ibérica. O seu elevado interesse botânico é-lhe conferido por dois endemismos e mais de uma dezena de espécies de distribuição restrita em Portugal.

A parte imersa é uma reserva marinha de grande riqueza ictiológica (peixes), a primeira criada no país.

Para os Lobos do Mar - Farol da Berlenga
Número Nacional: 136
NúmeroInternacional: D-2086
Nome e Localização: Berlenga. No ponto mais elevado da ilha
Lat/LongN/W: 39º24'/999º30'/47
Descrição e Altura: Torre prismática branca com edifícios anexos. 29 m.

Para breve, algumas Histórias ilustradas.

razão de estado

Houve alguém que um dia me perguntou "porquê querer fazer novos amigos? os que tens não te chegam ou não são bons?". Nada disso! Eu apenas gosto de confrontar ideias com pessoas de todo o lado. Gosto sobretudo de conhecer pessoas que não pensem da mesma forma que eu, isso ajuda-me a manter o espírito aberto. Já agora, a pessoa que me fez essa pergunta é agora um grande amigo meu que apesar da distância, separa-nos um oceano, está sempre muito perto.

Maio 1998

Pois é, São Tomé é um paraíso mas é um paraíso muito mal tratado pelos seus.

Numa altura em que tanto se fala dos problemas ambientais fiquei com a impressão de que poucas pessoas estão preocupadas com o futuro de São Tomé. Não falo apenas dos grandes problemas ambientais, das tartarugas em extinção ou das toneladas de areia retiradas (para não dizer roubadas!) às praias. Falo de uma consciência que não existe no dia-a-dia, talvez por desconhecimento, talvez por falta de meios (que nem sempre é justificativo), por total indiferença... ou se calhar porque simplesmente é muito mais simples. Quando não existe uma recolha de lixo pela cidade é realmente muito mais fácil largar o lixo na praia em frente... só que quando a população inteira de uma cidade larga os seus lixos na praia em frente, não está com certeza à espera que o mar absorva tudo infinitamente.

Com tantos projectos a querem nascer em STP, Zona Franca, petróleo e afins, é preciso ter cuidado. Deus deu mas não deu com contrato de manutenção incluído, não é Deus que vai manter assim para o resto da vida... se não forem os santomenses a cuidar da sua terra, com amor e sobretudo com consciência, um dia ela vai deixar de ser um dos paraísos à superfície da Terra.

Eu, como turista que também fui, fiquei desiludida por chegar a praias aparentemente maravilhosas e cortar-me numa lata de cerveja largada por lá. Uma entre muitas, não só latas mas também garrafas, sacos, papeis.

Já agora, porque não ler o livro de Miguel Sousa Tavares. Entre outros relatos, fala-nos da sua experiência em São Tomé.


quarta-feira, 13 de abril de 2005

@

A S. diz-me "se a vida te dá limões, faz limonada". Mas a vida agora dá-me mais é limonada versão take-away. Uma limonada bem diluidazita... um quase nada que nem a qb chega. Ele há dias... mas depois desses, há sempre outros mais, mesmo que para lá desta dimensão.

XX - Les Bijoux

La très chère était nue, et, connaissant mon coeur,
Elle n'avait gardé que ses bijoux sonores,
Dont le riche attirail lui donnait l'air vainqueur
Qu'ont dans leurs jours heureux les esclaves des Mores.

Quand il jette en dansant son bruit vif et moqueur,
Ce monde rayonnant de métal et de pierre
Me ravit en extase, et j'aime à la fureur
Les choses où le son se mêle à la lumière.

Elle était donc couchée et se laissait aimer,
Et du haut du divan elle souriait d'aise
A mon amour profond et doux comme la mer,
Qui vers elle montait comme vers sa falaise.

Les yeux fixés sur moi, comme un tigre dompté,
D'un air vague et rêveur elle essayait des poses,
Et la candeur unie à la lubricité
Donnait un charme neuf à ses métamorphoses;

Et son bras et sa jambe, et sa cuisse et ses reins,
Polis comme de l'huile, onduleux comme un cygne,
Passaient devant mes yeux clairvoyants et sereins;
Et son ventre et ses seins, ces grappes de ma vigne,

S'avançaient, plus câlins que les Anges du mal,
Pour troubler le repos où mon âme était mise,
Et pour la déranger du rocher de cristal
Où, calme et solitaire, elle s'était assise.

Je croyais voir unis par un nouveau dessin
Les hanches de l'Antiope au buste d'un imberbe,
Tant sa taille faisait ressortir son bassin.
Sur ce teint fauve et brun, le fard était superbe!

– Et la lampe s'étant résignée à mourir,
Comme le foyer seul illuminait la chambre,
Chaque fois qu'il poussait un flamboyant soupir,
Il inondait de sang cette peau couleur d'ambre!

Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal 1857

tudo em nada

mulheres com muita sorte... não é todos os dias que alguém nos merece um sms em branco. nada a dizer ou espaço para tudo? assim se abrem as portas ao infinito, assim se fecham para sempre.

pro ou actividade?

sinto que quanto mais proactiva me cresço na vida, mais reactiva me faço na escrita. (des)equilíbrio?

terça-feira, 12 de abril de 2005

tu ou não tu, heis a questão

Há dias, li um post ali ao lado, falava sobre as Tias e as Pseudo... na altura nada disse, mas hoje já não pude resistir, chamem-me lá o que quiserem, há pessoas que serão sempre "não-tu" mas nunca "você" (CREDO!!!!)


Confesso que comecei várias vezes a escrever o meu comentário, mas em cada uma chegava à conclusão de que não me iria fazer entender. Achei melhor deixar as coisas como estavam.

Uma vez que existe uma desilusão formalmente escrita sobre a abstinência dos bloguers do Diário, vou tentar.

Desde pequena que, à minha volta, o tratamento na 2ª pessoa do plural (e não na 3ª do singular, como quase sempre é confundido pela horda de - como era mesmo? - novos ricos ou qualquer coisa assim) é um acto inconsciente. Sempre tratei os meus Pais, os meus irmãos, os meus primos mais novos assim. Confesso que alguns amigos também.

Não sei explicar porquê. Duvido que seja por ter uma relação superficial ou menos chegada com qualquer uma dessas pessoas. Não existe Mãe mais confidente que a minha, aposto com quem quiser duvidar! O meu irmão mais novo nasceu no mesmo dia que eu, cinco anos mais tarde. Lembro-me como se fosse hoje. Levaram-me à Lapa (a do Porto, não a da nossa burguesa capital), sentaram-me numa cama no canto e uma senhora parecida com a minha Tia Júlia, colocou um pequeno embruho de pano nos meus braços "S. este é o teu presente de anos!". Eu que já havia escolhido o nome do mano que aí vinha, não coube em mim de contente - aos cinco anos ofereceram-me um boneco que mexia, comia, chorava e até fazia chichi... temos de nos lembrar que estávamos bem longe da geração Nenuco. O meu irmão nasceu como um presente de anos e cresceu para se vir a tornar o homem que não dispenso ter a meu lado. "J., o mano está de ressaca? Está com ar de quem virou 5 ou 6 a mais...", "Agora que está aí, longe, veja lá se lê os meus mails, estou com muitas daquelas minhas dúvidas existenciais, daquelas que nem a Mãe pode ajudar, só o J."

Assim, cinzento no branco, parece uma coisa perfeitamente idiota.

Mas no meio disto tudo, tenho a acrescentar que, a única palavra que nunca me saiu boca-fora foi o "você". Mentira, saiu-me uma vez em pequenita e levei um sermão tamanho que nunca mais me ocorreu usar tal termo. O "você" já faz parte da linguagem burguesa de Lisboa.

Para mim, dizer "MANO PARE!!" é exactamente o mesmo que dizer "PO**A TÁ QUIETO!". Tem tudo a ver com a forma como o diálogo sai - natural ou estudado.

Permitido "A Mãe precisa de ajuda?"
PROIBIDO "Você quer ajuda?"
Permitido "Os Pais vão jantar fora?"
PROIBIDO "Vocês vão jantar fora?"

Nem vou reler. Sei que se o fizer, voltarei a apagar, porque não soa nada como eu queria contar.


ps: Cheguei à conclusão de que irrito muita gente... ainda só não consegui foi conquistar nada... tristeza!

ps2: É engraçado, só depois de submeter o meu comentário, reparei que existia um anterior. Não se trata de falta de respeito, não se trata de maior ou menor confiança, mas, ao contrário da Gigi, mais depressa tratarei alguém aqui da blogosfera por tu do que os meus filhos... Trato a minha Princesa e o meu 'F por menina/o e ainda corro o risco de lhes dar uma reprimenda amigável "TU?!? Eu por acaso ando com a menina na escola?!?" e no entanto são mais do que o sangue poderia ser, não os escolhi, tive a sorte de por eles ser escolhida.

Menina Dos Olhos Tristes

Estava a ouvir este poema, cantado por Zeca Afonso, veio-me à memória algumas das minhas incursões África adentro. Lembrei-me do "dever". Não consigo ser pragmática em relação a certas vivências. Não consigo separar-me da ideia de que, de alguma forma, todos me viram, por dentro e por fora. E alguma coisa me chama, me prende e me leva Mar adentro.

by José Afonso

Menina dos olhos tristes

o que tanto a faz chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar

Vamos senhor pensativo
olhe o cachimbo a apagar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar

Senhora de olhos cansados
porque a fatiga o tear
o soldadinho não volta
do outro lado do mar

Anda bem triste um amigo
uma carta o fez chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar

A lua que é viajante
é que nos pode informar
o soldadinho já volta
está mesmo quase a chegar

Vem numa caixa de pinho
do outro lado do mar
desta vez o soldadinho
nunca mais se faz ao mar

quando eu estava para nascer

(José Afonso)
1971

Mulher da Erva

Velha da terra morena
Pensa que é já lua cheia
Vela que a onda condena
Feita em pedaços na areia
(...)

segunda-feira, 11 de abril de 2005

João Paulo II

o erro de João Paulo II foi não perceber que o futuro do catolicismo está nas mulheres, nos crentes do sexo feminino, e ter-lhes fechado as portas do sacerdócio. não que eu, agnóstica, tenha que dar palpites, mas fica a minha opinião
Publicado por Isabel em abril 6, 2005 11:44 PM

Papa João Paulo II, o Peregrino

Na minha opinião, o pontificado de João Paulo II é claramente positivo. Teve mais aspectos positivos que aspectos menos positivos. Antes de fazermos um qualquer balanço, é preciso dizer que não existem pessoas perfeitas, nem feitos perfeitos. Não existem, simplesmente. Por isso, se olharmos apenas para os aspectos menos bons teremos um balanço parcial, assim como se olharmos apenas para os aspectos bons. Um verdadeiro balanço deve incluí-los todos.

João Paulo II foi um peregrino por excelência. Acredito que em todas as viagens que realizou, o seu testemunho, a sua proximidade com o povo de Deus, em todo o mundo, foi, de longe, o ponto mais positivo do seu pontificado, e o que distinguiu dos outros pontificados.

João Paulo II foi também um homem de muita fé, e somos todos testemunhas disso. Sobretudo, pela dedicação e empenho demonstrado nos seus últimos anos de pontificado, onde a sua debilidade física e o seu sofrimento foram sempre bem visíveis.

João Paulo II foi também o Papa das nossas vidas. Eramos ainda crianças quando o João Paulo II foi eleito Papa e não me lembro de nenhum dos seus antecessores. Lembro-me da primeira vez que João Paulo II esteve em Portugal, e tentei ir vê-lo perto de mim. Vi-o passar ao longe. Hoje, confesso, que naquele tempo, não fazia a mínima ideia do que significava o Papa. Era apenas um padre ou um bispo, pensava eu, ou talvez alguém diferente pois andava sempre de branco.

Voltei a ver o Papa na segunda vez que esteve em Portugal, desta vez no Parque Eduardo VII, em Lisboa. Percorri quilómetros a pé, com a minha Mãe, e nunca o cansaço me foi tão fácil. Nessa altura, tinha a certeza que João Paulo II era alguém especial. Era alguém que conseguia mover milhões de jovens, vindos dos quatro cantos da Terra, num intenso dia de calor ou chuva, no pó, na terra seca ou extremamente inundada.

Em muitas alturas da minha vida senti-me muito longe de Deus. Nessas alturas, nem a fé de João Paulo II, ou o seu testemunho de vida, nem a sua relação com os jovens, me ajudaram a compreender que a vida não tem sentido se não não lhe dermos um sentido.

Por todos estes motivos, não estranho que o funeral de João Paulo II tenha tido a presença das mais diversas pessoas, dos mais diversos quadrantes políticos, económicos, culturais e sociais. João Paulo II foi coerente com a sua fé, com as suas convicções. Foi um exemplo de fé e oração. E isso moveu-nos a todos: cristãos, judeus, muçulmanos, budistas, hindús, agnósticos e até ateus. É, sobretudo, fora da Igreja que João Paulo II gera maiores consenso, se não mesmo, a unanimidade. João Paulo II foi um profeta da Paz. Da Justiça. Do Amor.

Como já disse anteriormente, não há pontificados perfeitos. Por isso, também o pontificado de João Paulo II teve os seus aspectos menos positivos. E estes variam de acordo com quem faz o balanço. Para mim, talvez este ou aquele aspecto poderia ter sido diferente. Para outra pessoa, talvez até esse aspecto tenha sido um aspecto muito positivo.

Posso referir alguns para se compreender melhor:

1. Hoje, a Igreja Católica é mais Romana (centrada no Vaticano) que antes de João Paulo II, e isso afasta-se do Concílio Vaticano II. O próprio cardeal Ratzinger assumiu, recentemente, que houve alturas que a Igreja poderia não ter sido tão centralizada. Como disse alguém, a culpa foi também dos bispos que nas conferências episcopais se demitiram das suas responsabilidades.

2. O seu conservadorismo, sobretudo na moral sexual, afastou milhares (ou talvez milhões) de pessoas da Igreja, e faz com outros tantos não se aproximem da Igreja por essa razão. Aborto e contracepção são coisas distintas e é preciso dizer e compreender isso.

3. A (excessiva) devoção mariana. Não se pode colocar as revelações particulares acima da doutrina da Igreja, ou da própria Sagrada Escritura.

4. «Mais do que falar da Teologia da Libertação, temos de falar da libertação da Teologia», dizia, com razão, um professor de um amigo meu. Não se pode perseguir aqueles que pensam de forma diferente da Igreja, só porque pensam de forma diferente. Não é possível chegarmos ao século XXI, e vermos que os grandes teólogos do século XX foram, praticamente todos, numa situação ou outra, privados da sua liberdade em fazer Teologia.

5. A participação dos leigos, em particular das mulheres, na vida da Igreja. Pela escassez, cada vez maior, de vocações sacerdotais, e não havendo um milagre em breve que inverta a situação, é preciso compreender, de uma vez por todas, que a tão apregoada nova evagelização far-se-á, sobretudo, pelos leigos. Estes precisam de preparação e formação, de assumir verdadeiramente as suas responsabilidades e obrigação de anunciar e sermos testemunhas do Evangelho.

O próximo Papa será diferente de João Paulo II. Não há duas pessoas iguais. Será certamente um bom Papa. Que compreenderá os desafios que se colocam à Igreja e ao mundo nos dias de hoje, e a Igreja saberá dar a melhor resposta. É preciso ter esperança. Não concordo com aqueles que afirmam que a Igreja precisa de um novo Concílio. Teremos esgotado o que assumimos há quatro décadas no Concílio Vaticano II? Voltaremos a ter um novo Concílio apenas para ajudar a por em prática o anterior? Não vejo que seja necessário. Basta relembrar o Vaticano II e, de uma vez por todas, pô-lo em prática.

quinta-feira, 7 de abril de 2005

boas vindas

a ibl juntou-se ao grupo. juntem-se a mim para lhe dar as boas vindas.

velas enfunadas

ontem à noite cresceu dentro de mim um texto. cresceu, tomou formas, içou pano e largou rumo ao horizonte. deveria tê-lo ancorado aqui, não fora a preguiça me ter colado à cama. agora, sei que era um bom porto de abrigo, mas já não sei o que era. tenho de me lembrar de nunca deixar de ir ao cais antes dos barcos partirem.

psps: afinal também tinha um ps:

tenho duas coisas e uma conclusão:

1ª tenho pânicos, grandes pânicos, enormes pânicos. sofro desse mal da sociedade moderna, os grandes e incontroláveis ataques de pânico. sobretudo quando me vejo encarcerada entre magotes de carros no meio de uma qualquer estrada. sobretudo se essa estrada for chamada de IC e mais ainda numerada de 19.

2ª e depois, tenho 3 pastilhas cor-de-rosa. sempre 3, porque já sei por experiência que uma ou duas não chegam e quatro dão moca. estão sempre em cima do tablier do carro (excepto quando numa curva mais radical me caem aos pés e se perdem entre pipocas, garrafas e rebuçados). e são sempre as mesmas 3. há mais de 10 anos que as mesmas 3 pastilhas me acompanham quando me faço à estrada. sei que, naquele terrível momento em que se me aperta o peito, em que julgo sufocar, prestes a afogar-me em medos loucos, me basta olhar para elas, quase deitar-lhes a mão e... stop! nesse momento termina a agonia.

conclusão: não há nada como a nossa mente para se enganar a si mesma.

ps: quando eu me for, por favor, ao enfiarem-me na grande boca de fogo onde vou ser cremada, não se esqueçam das minhas 3 companheiras.

maternidade II

mas gritaste muito? foi assim, fiquei com raiva. estava a gritar muito porque... estavas zangada? andas uma bocadinho nervosa, ainda te dói o coração? não, o meu braço é que ainda está fraquinho e não tenho força. e o meu mano ouviu e subiu pelas escadas acima para me defender. mas eu nem o vi, porque eu gritava mesmo muito e a S levou-me para a casa-de-banho. queres um bolicao? ela é muito maior do que eu, mas agora ela telefonou ao B, ao irmão dela, que diz que vai bater no R e eu estou mesmo aflita, porque são coisas assim, sabes? qualquer dia eu não sou mais amiga dela, mas agora ainda sou, somos amigas e se ele bater no meu mano por minha causa... preferes chocapic ou nestum de mel? tanto faz. eu estou a juntar dinheiro, o meu mano disse que gostava muito de... como é que aquilo se chama? é no mini-preço, não é no pingo-doce, aquilo! ah, biscoitos? sim, eu já tenho o dinheiro mas não sei quais são. mas ela agora já lhe telefonou a explicar e ele percebeu e amanhã vão falar com o J e explicar também. sabes Princesa, é muito bonito, essa coisa de os irmãos se defenderem, tu levares biscoitos, o R dar-te o bolinho da ceia. estás magrinha, tens de comer. protegerem-se. mas têm de ter cuidado, porque as outras pessoas podem não perceber e pensam que... não, elas sabem. olha lá, ainda não falámos sobre aquilo. no dia em que lá estiveste, achei que não tinhas gostado assim tanto de o ver. achei que estavas um bocadinho murchinha. não. ah. é verdade, toda a gente diz que andas tristinha. não, não ando, eu não tenho nada. mas aquele chi-coração que te pediu, quando vínhamos embora, lembraste? ... parece-me que não tinhas muita vontade de o dar. não é isso, é que... estava a brincar com ele. eu acho que o meu mano tem razão, é melhor quando ele está bêbado. credo Princesa, estar sempre bêbedo não pode ser, isso não é nada bom. mas se ele nunca vai mudar, mais vale assim. olha lá, ele sempre que tem algum dinheiro, vai tudo. ele podia mandar algum, não era preciso vir cá, punha num envelope e mandava para nós. mas gasta tudo na bebida e nos cigarros. ele não vai mudar.

pois não, Princesa, nem ele nem o mundo vão mudar. tiveste de o aprender da forma mais difícil.

quarta-feira, 6 de abril de 2005

Aquecendo a alma

o SOL ali ao lado
(...) “Estes doentes são fotossensíveis. Têm uma atracção pelo sol.”. Fotossensíveis, não dementes.


dementes, não! têm frio! um frio terrível que lhes vem da incapacidade de lidar com este mundo gelado. e todo o SOL é pouco para nos aquecer a alma quando nos gela o sangue nas veias, quando nos sentimos rôxos por dentro, só o SOL o SOL em maiúsculas te pode aquecer um bocadinho. um bocadinho ontem, um bocadinho hoje, outro amanhã... um bocadinho aqui, um bocadinho ali... e em cada bocadinho que o SOL se transforma em mais calor, mais tu foges da sensação de alheamento e te aproximas do sentimento pleno de encontro dentro de ti. só quem sente este frio, pode entender este SOL.
estrela
8:30PM

terça-feira, 5 de abril de 2005

Acorda, Menina Linda

Acorda, menina linda
Vem oferecer
O teu sorriso ao dia
Que acabou de nascer
Anda ver que lindo presente
A aurora trouxe para te prendar
Uma coroa de brilhantes para iluminar
O teu cabelo revolto como o mar

Acorda, menina linda
Anda brincar
Que o Sol está lá fora à espera de te ouvir cantar
Acorda, menina linda
Vem oferecer
O teu sorriso ao dia
Que acabou de nascer

Porque terras de sonho andaste
Que Mundo te recebeu
Que monstro te meteu medo
Que anjo te protegeu
Quem foi o menino que o teu coração prendeu ?

Acorda, menina linda
Anda brincar
Que o Sol está lá fora à espera de te ouvir cantar
Acorda, menina linda
Vem oferecer
O teu sorriso ao dia
Que acabou de nascer

Anda a ver o gato vadio
À caça do pássaro cantor
Vem respirar o perfume
Das amendoeiras em flor
Salta da cama
Anda viver, meu amor

Acorda, menina linda
Vem oferecer
O teu sorriso ao dia
Que acabou de nascer

1975
era tão mais fácil, poder viver sem pensar no fim, talvez apenas pequenas imagens aqui ou ali. soubera eu o dia em que vou morrer e seria tão mais fácil andar por aí vivendo com a certeza de que havia mesmo uma única e grande certeza.

Cantinho

Where are you, Jesus?
You, who have been a sailor
you, who could feel at home
no matter where you are.
If now I´m calling you with my song
that's because I still long
to recognize each and everyone as my brother
and not just as another stranger

Où es tu , Jesus?
Toi, qui es devenu marin
toi, qui étais chez toi
dans n'importe quel coin.
Si maintenant je chante ton nom
c'est parce que je pense tu peux m'aider
à trouver dans chaqu'un un frère
et pas seulement un étranger

Por onde andas tu, Jesus?
Tu, que quiseste ser marinheiro
tu, que estavas em casa
no mundo inteiro.
Se agora te invoco na minha canção
é porque ainda creio que isto tem salvação
ajuda-me a verem cada um um irmão
e não apenas mais um estrangeiro
jpalma dixit 1982

segunda-feira, 4 de abril de 2005

V

J'aime le souvenir de ces époques nues,
Dont le soleil se plaît à dorer les statues.
Alors l'homme et la femme en leur agilité
Jouissaient sans mensonge et sans anxiété,
Et, le ciel amoureux leur caressant l'échine,
Exerçaient la santé de leur noble machine.
Cybèle alors, fertile en produits généreux,
Ne trouvait point ses fils un poids trop onéreux,
Mais, louve au cœur gonflé de tendresses communes,
Abreuvait l'univers à ses tétines brunes.
L'homme élégant, robuste et fort, avait le droit
D'être fier des beautés dont il était le roi,
Fruits purs de tout outrage et vierges de gerçures,
Dont la chair lisse et ferme appelait les morsures !

Le poète aujourd'hui, quand il veut concevoir
Ces natives grandeurs, aux lieux où se font voir
La nudité de l'homme et celle de la femme,
Sent un froid ténébreux envelopper son âme
A l'aspect du tableau plein d'épouvantement
Des monstruosités que voile un vêtement ;
Des visages manqués et plus laids que des masques ;
De tous ces pauvres corps, maigres, ventrus ou flasques,
Que le Dieu de l'utile, implacable et serein,
Enfants, emmaillotta dans ses langes d'airain ;
De ces femmes, hélas ! pâles comme des cierges,
Que ronge et que nourrit la honte, et de ces vierges
Du vice maternel traînant l'hérédité
Et toutes les hideurs de la fécondité !

Nous avons, il est vrai, nations corrompues,
Aux peuples anciens des beautés inconnues :
Des visages rongés par les chancres du cœur,
Et comme qui dirait des beautés de langueur ;
Mais ces inventions de nos muses tardives
N'empêcheront jamais les races maladives
De rendre à la jeunesse un hommage profond,
— A la sainte jeunesse, à l'air simple, au doux front,
A l'œil limpide et clair ainsi qu'une eau courante,
Et qui va répandant sur tout, insouciante
Comme l'azur du ciel, les oiseaux et les fleurs,
Ses parfums, ses chansons et ses douces chaleurs !

Les Fleurs du mal (1857)
Première édition

Charles Baudelaire

e a noite ganhou mais brilho

Era sempre noite, mas brilhavas sempre mais que qualquer lua. Era noite e fizeste de ti estrela do céu. Outrora foras estrela do mar, agora voaste mais longe. Para tão longe que não te posso alcançar. És luz perdida no Universo.

Onde o mar perdeu cor, o céu ganhou luz. Seria egoísmo querer manter-te nas trevas.

sábado, 2 de abril de 2005

amor feito utopia

agora, quem não esperava vir aqui escrever este texto, era eu. como não esperava depois daquele quente voltar a sentir este aperto no peito. dói-me tanto quando escreves. quando escreves dessas certezas tão incertas. na calada da noite parece-me sempre possível a perfeição. é aqui, diante da vida, que percebo que não. e teremos de viver como se fosse. é a única, temos de a fazer maior.
lau
sabes a sol de um dia quente dessa terra de paixões
sonho-te, mais do que te quero
calor de vida sempre esperada
a ti dedico este meu fim de noite
-

sexta-feira, 1 de abril de 2005

Obrigada Catarina

O Ruizinho vai ter a sua primeira roupa nova. Nada de mais, dirão alguns, a primeira não é diferente da segunda ou da terceira.

Neste caso é.

É porque o Ruizinho tem dois anos e nunca teve uma roupa nova. Comprada para ele. Escolhida para ele. Pensada para ele. É a primeira roupa só dele.

E é especial, porque a Catarina fez questão de querer dar uma roupa nova. Chegavam as roupas de outros meninos. Para quem tem tão pouco... bastaria roupa simplesmente roupa. Mas não, a Catarina é daquelas pessoas que estão despertas para este tipo de gesto. E põe em prática a sua ideia.

Nada melhor para oferecer a quem nada tem, nem roupa, nem pão, nem quase nada, algo de supérfluo, como o é uma roupa nova. Supérfluo comparado com as outras faltas. Uma roupa nova a estrear de barriga vazia. Mas uma roupa nova.

É como aquele mimo, que nos fazemos, nós que temos quase tudo, ou temos pelo menos um pouco mais do que o essencial, a nós mesmas. Uma ida às compras, uma massagem, um verniz vermelho sangue. Uma vaidade ou um carinho.

Também o Ruizinho merece esse mimo. Mais do que ninguém, ele e os outros, merecem esse carinho.

Obrigada, Catarina.

a razão de aqui estar

vamos assumir de uma vez.

esta presença aqui nasceu não da vontade plena de me exprimir, mas sim da necessidade suprema de responder.

há uma enorme diferença.

a primeira vontade é aquela que nasce simplesmente de nós, de qualquer um de nós, de dentro para fora de nós, da vontade de passar para a palavra escrita aqueles que são os nossos pensamentos. de os perpetuar, de os partilhar, de os organizar.

a segunda, nasce-me a mim, sim, a mim, da necessidade de responder a palavras, também elas escritas, mas com as quais me foi, de certa forma, negada a interacção. não porque as minhas palavras não fossem bonitas. não porque as minhas palavras não fossem como as outras. simplesmente porque exprimiam, de uma forma muito forte, aquilo que me despoletava a cadência das outras. a cadência da palavra do outro mexendo na cadência dos meus sentimentos. e esse outro, num súbito assumo de alter-ego, assumia essas palavras como para si e não como para elas. porque elas.

adivinhava nas palavras, nas minhas, uma resposta à sua pessoa. não foi capaz de se libertar, como dizia, das suas palavras e entender as minhas como uma simples reacção às dele.

agora, tenho aqui este cantinho, onde sei que não me vê.

A libertação perigosa na palavra escrita

O perigo (ou o fascínio, para quem não tiver realmente medo de se libertar nas suas palavras) da escrita é esse. Não podemos evitar que o outro se encontre, aqui ou ali, com aquele eu de que tentámos libertarmo-nos, que queremos que se transforme em simples palavras bonitas*. Aliás, se nos libertámos e distanciámos realmente, já não são nossas aquelas palavras, são de todos. Se fossem nossas, estariam guardadas na mais secreta de todas as nossas caixinhas.

Ao distanciarmo-nos nas palavras, prendemo-nos ao papel. Não, pior, quando era ao papel era mais perecível. Agora, neste mundo online, as palavras tomam uma eternidade e uma infinidade própria e consequente ligação a todos os outros que por aqui hão-de passar. A globalidade... para o bem e para o mal.

Não é egocêntrico, aquele que se vai lendo por aí. Que se revê não em nós, mas nas palavras que outrora foram nossas como se para ele tivessem sido escritas. Antes pelo contrário, é de tal forma aberto e generoso, é de tal forma anti-alter-ego, quase altruísta, que é capaz de viver com o facto de que alguém pôs em palavras os seus mais profundos segredos. De não ter medo de não ser único. De não ter medo de, inconscientemente para quem escreveu, ter sido "declarado" ao mundo.

Coisa estranha, a palavra escrita.

* as palavras também podem ser feias, é igual.